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sexta-feira, 7 de outubro de 2016

O milagre de Odetinha

Quem foi a menina que morreu aos 9 anos e que a Igreja Católica quer transformar em santa, o que poderia ajudar a conter a perda de seguidores para as igrejas evangélicas

por Tatiana Fernandes Gurjão

Uma menina que morreu aos 9 anos pode se tornar a primeira santa carioca. A popularidade de Odetinha é tamanha que o seu túmulo só perde para o da cantora Carmen Miranda em termos de número de visitantes nos cemitérios do Rio de Janeiro.

Foi a popularidade o principal motor para a candidatura da menina, que recebeu a posteriori o apoio das autoridades da Igreja. “Odetinha não foi escolhida por nós, apesar de ter falecido com fama de santidade. O povo é quem clama por alguém e faz pedidos para a arquidiocese abrir o processo”, disse o arcebispo do Rio, Dom Orani, durante coletiva de imprensa no evento de abertura do processo de beatificação, em janeiro.

Uma santa carioca poderia contribuir para reaproximar os fiéis da Igreja. De acordo com dados do Censo, o catolicismo perdeu 1,7 milhão de adeptos de 2000 até 2010. Hoje, os católicos no Brasil são 123,3 milhões (64,6% da população, contra mais de 90% em 1970). Enquanto isso, as religiões evangélicas atraíram 16,1 milhões de fiéis em uma década e contam hoje com 42,3 milhões de seguidores (22,2% da população). “O surgimento de personagens considerados de alguma forma sagrados não foge à regra de arregimentar, criar elos e finalmente servir a interesses institucionais da lógica de disputa de poder com os competidores no mercado religioso”, diz o sociólogo Fábio Alves Pereira, da Universidade de Pernambuco.

QUEM FOI? Batizada Odette Vidal de Oliveira, a “serva de Deus” nasceu em 1930 no bairro de Madureira, na Zona Norte do Rio de Janeiro, onde sua família tinha comércio. O pai biológico dela, Augusto Ferreira Cardoso, morreu de tuberculose, enquanto a mãe, Alice Vidal, ainda estava grávida de Odetinha. A viúva se casou com o português Francisco Oliveira, dono de frigorífico, que a adotou, e garantiu um elevado padrão de vida à família.

Odete e a família logo se mudaram para a Zona Sul, onde moraram em Laranjeiras e Botafogo, bairro onde Odetinha passou a maior parte de sua curta vida. Aos 9 anos, a vida da menina foi interrompida por uma febre paratifoide – uma infecção com origem intestinal – agravada por meningite. Foram 49 dias de sofrimento na cama, interrompidos pela morte de Odetinha, em 25 de novembro de 1939. A menina teria previsto o próprio destino e se despediu de seus colegas no último dia em que foi à escola. Quando lhe perguntaram o motivo das despedidas, ela foi direta na resposta: “Porque vou morrer”.

Segundo os relatos da família e de seus seguidores, a fé de Odetinha surgiu cedo. Aos 4 anos, a menina já frequentava a missa com a mãe; aos 7, já tinha completado a primeira comunhão e costumava rezar o terço diariamente.

Apesar da origem rica, os devotos exaltam sua suposta simplicidade e compaixão. Conta-se que Odetinha costumava doar seus pertences a pobres e a mendigos. Além disso, aos sábados, ela servia aos pobres pratos de feijoada preparada por sua mãe.

Os pais de Odetinha atuavam no auxílio a meninas órfãs e a institutos de vida religiosa em dificuldades financeiras, segundo os fiéis, sempre instados pela filha. “O que mais me impressionou na história dessa santa garotinha foram a humildade, seu senso de compaixão pelo próximo e a sua adoração a Jesus Cristo. É muito lindo o jeito especial e profundo dela”, conta a cearense Adriana Calixto.
O pernambucano Lucas Santiago é outro atraído pela imagem de simplicidade da menina. “Ela era rica e vivia de maneira bem simples”, diz ele. Uma imagem que não condiz de todo com a realidade. Odetinha morava numa mansão com vista para o Pão de Açúcar e era cercada de empregados. A menina tinha, inclusive, um motorista à sua disposição, que a levava ao Sion, tradicional colégio de freiras da cidade.

Algumas obras iniciadas pela família de Odetinha têm continuidade. A casa onde Alice Vidal morou, em Laranjeiras, agora se chama Lar São José e dá apoio a meninas carentes. Em Nova Iguaçu, há um ambulatório médico que leva o nome da menina.

MILAGRES? O primeiro suposto milagre atribuído à menina, pouco depois de sua morte, é a cura de um ferimento na própria mãe. Alice Vidal teria sido atropelada por uma bicicleta e atingida na perna. Com uma ferida de dez centímetros, Alice estimava que teria a perna amputada.

Segundo o relato, o afilhado de Alice, Adriano Bresciano, teria conversado com o espírito de Odetinha. Junto ao túmulo da filha, Alice mergulhou a perna em uma bacia com água e pétalas. No dia seguinte, não havia sinal de ferimento em seu corpo.

Outra cura é relatada por Janaína Messias, paraibana que mora há 14 anos no Rio e trabalha no Sion, onde Odetinha estudou. Em abril, ela teve uma forte inflamação no rosto. Mesmo tomando medicamentos, a infecção não sarava com rapidez. Janaína passou a rezar a oração de Odetinha diariamente, sem deixar de ingerir a medicação prescrita. “Graças à minha fé, fiquei boa”, conta.

A turismóloga carioca Mércia Trindade, 52 anos, foi outra que apelou para Odetinha quando viu que seu filho Marco Antonio andava em “más companhias” e se afastava do catolicismo. Após ter conversado com um seminarista, ligado ao culto a Odetinha, que tem nos seus restos mortais a relíquia em torno do qual se organiza, pediu a intercessão do espírito da menina para reaproximá-lo da Igreja. “Algumas semanas depois meu filho foi mudando aos poucos. Ele ainda não frequenta a Igreja, mas posso dizer que já não tem mais ideias anticristãs”, diz ela.

Os devotos da menina marcam presença nas missas celebradas em sua intenção, todo primeiro sábado do mês, na capela do cemitério onde ela está enterrada. Fiéis costumam ir ao túmulo e deixar flores, bilhetes, moedas, além de placas de mármore e de bronze, em agradecimento “às graças recebidas”. Quando a Igreja Católica exumou o corpo para a abertura do processo de beatificação, foram encontradas moedas jogadas no túmulo, por uma pequena fresta, desde os anos 1930. O estado de conservação dos restos mortais causou surpresa aos membros da Igreja. Segundo os religiosos envolvidos com o processo de canonização, cerca de 60% da parte óssea de Odetinha conseguiram ser recuperados.

A esperança de que Odetinha seja oficialmente considerada santa ganhou vigor em outubro de 2012, quando o Vaticano emitiu seunihil obstat quanto à causa, o que valeu à menina o título de “serva de Deus”. A partir de então, especialistas em direito canônico e historiadores passaram a investigar a vida da garota e os milagres que são atribuídos a ela. Depois de provado algum feito milagroso de Odetinha, ela passa a ser considera beata. Após a comprovação de um segundo milagre, ela está apta a virar santa.

De acordo com a visão do padre Edmar Costa, do Santuário de Santa Edwiges, no entanto, não é preciso esperar. “Para ser considerado santo, são necessários três milagres comprovados. A Santa Odetinha já tem milhares deles.” Devotos da menina fazem coro com o religioso. “Odetinha já é santa. Falta só a confirmação papal”, afirma o fiel Lucas Santiago.



Tatiana Fernandes Gurjão é jornalista.

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